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Design Comportamental Positivo e a Consciência das Escolhas

Layla Oliveira @ 2022-09-01 10:35:39 -0300

Todos os dias somos bombardeados por milhares de opções que se apresentam à nossa frente. Do cereal que vamos comer no café da manhã, até o tipo de investimento financeiro que selecionamos para o nosso futuro. Nosso comportamento mudou fundamentalmente os instintos formados por milhares de anos de escassez e agora são sobrecarregados com uma súbita riqueza de opções e oportunidades. O fato é que quase a totalidade das nossas decisões rotineiras nem sequer passam pela nossa consciência. São tantas escolhas e complexidades que nosso cérebro criou uma série de mecanismos de enfrentamento. E o mais instigante, muitas dessas mensagens foram previamente projetadas para nos levar a determinadas atitudes.

 

Decodificando o Mecanismo

Somos constantemente influenciados a comprar um produto e/ou serviço. O mecanismo que se revela por trás pode considerar as nossas necessidades, hábitos, comportamentos e o nosso perfil na tomada de decisão. A maneira com que a amarração entre os elementos é estruturada, tem um enorme poder no comportamento das pessoas. Como seres humanos, somos influenciados por vieses e atalhos mentais que nos ajudam a resolver problemas. Somos regidos por normas sociais e somos levados pela emoção.

 

 

Um estudo realizado pelo time da Google (Decoding decisions - making sense of the messy middle, 2020), com suporte da The Behavioural Architects, mostra como as pessoas se comportam e são influenciadas pelos vieses cognitivos durante o processo de compra, desde o disparo do gatilho até a finalização da compra propriamente. Google e The Behavioral Architect elaboraram uma lista de vieses da ciência comportamental para testar. Ao longo de mais de 50 anos, os acadêmicos codificaram cerca de 300 princípios que explicam o funcionamento consciente e inconsciente da mente humana. Como nem todos esses vieses eram relevantes para o estudo, a equipe reduziu a lista para os 6 que representavam vários dos princípios mais poderosos identificados na literatura e que eram adequados para testes em escala. Essa lista também tem a vantagem de abranger implementações que vão desde simples alterações, até decisões mais complexas. Confira abaixo os 6 viéses do estudo Decoding Decision:

 

Heurística de categoria

Atalhos ou regras práticas que nos ajudam a tomar uma decisão rápida e satisfatória dentro de uma determinada categoria. Psicólogos descobriram que a heurística reduz o esforço cognitivo pois no momento da tomada de decisão, examinamos menos informações e consideramos menos alternativas em geral.

Exemplo: focar em quantos megapixels (MP) a câmera possui ao comprar um smartphone ou quantos gigabytes (GB) de dados estão incluídos em um contrato de telefonia móvel para decidir qual aparelho ou operadora escolher.

 

O viés de autoridade

Descreve a tendência de alterar nossas opiniões ou comportamentos para corresponder aos de alguém que consideramos uma autoridade em um assunto. Quando não temos certeza, tendemos a seguir a liderança de pessoas que acreditamos serem especialistas confiáveis e experientes e, portanto, podemos usar uma visão de autoridade como um atalho mental.

 

 

A prova social

Postulada pelo psicólogo Robert Cialdini, descreve a tendência de copiar o comportamento e as ações de outras pessoas em situações de ambiguidade ou incerteza, como um atalho para a tomada de decisão. A internet digitalizou avaliações e recomendações boca a boca, tornando muito mais fácil para as pessoas confiarem na prova social.

 

O poder do agora

Descreve o fato de que tendemos a querer as coisas agora e não mais tarde. Os seres humanos estão programados para viver no presente – nossa sobrevivência evolutiva dependeu de nossa capacidade de lidar com os problemas do aqui e agora, em vez de nossa capacidade de planejar o futuro.

 

 

O viés de escassez

Esse é baseado no princípio econômico de que recursos raros ou limitados são mais desejáveis. A escassez normalmente assume uma das três formas:

Tempo limitado: quando há um limite de tempo para a disponibilidade de um produto, cria um prazo que faz as pessoas agirem antes do "o tempo acabou".

Quantidade limitada: suprimentos limitados ou raros são percebidos pelas pessoas como uma ameaça à sua liberdade de escolha, desencadeando uma reação para combater a ameaça e manter o acesso ao recurso.

Acesso limitado: significa acesso limitado a recursos como informações, grupos ou espaços. A censura faz com que as pessoas valorizem mais recursos restritos porque a exclusividade faz com que se sintam especiais.

 

O poder do grátis

Há algo especial sobre o preço de zero. A demanda por um produto ou serviço é significativamente maior a um preço exatamente zero em comparação com um preço ligeiramente maior que zero. O poder do grátis pode ser visto como um botão emocional – uma fonte de excitação irracional que pode ser crítica para persuadir um consumidor a tomar uma decisão de compra.

A arquitetura de vários aspectos referentes à compra e ao produto / serviço - como por exemplo: escassez, prova social e credibilidade -  influencia muito o comportamento. E por isso, a estratégia de produtos, a comunicação e o marketing orquestram esses elementos com maestria. E aí entra a grande responsabilidade do design comportamental: mapear as possibilidades e oferecer alternativas para que os usuários possam ter consciência da melhor escolha para suas necessidades naquele momento.

Ainda no experimento do Decoding decisions do Google, foram analisadas as preferências dos compradores em relação a marcas de diversos segmentos, e algumas delas eram fictícias, criadas para avaliar o impacto. Na simulação, essas marcas existiam, sobrecarregadas com a melhor expressão possível de nossos vieses comportamentais listados acima. Os compradores fizeram uma escolha e, embora as marcas estabelecidas ainda exercessem uma influência poderosa, os vieses tiveram o efeito esperado, com base na teoria da ciência comportamental. Em quase todos os casos, a prova social (expressa como avaliações de três estrelas versus cinco estrelas) provou ser o viés comportamental mais poderoso, tendo o maior efeito das categorias testadas. Dar às pessoas evidências de que outros compradores já tiveram uma experiência positiva com uma marca, produto ou serviço é extremamente persuasivo. Os resultados do experimento são consistentes com a premissa de que os vieses comportamentais têm efeitos poderosos nas decisões de compra.

 

 

O Design Positivo

Há muito tempo o marketing vem sendo estigmatizado por influenciar demasiadamente o comportamento do consumidor, pois justamente, se utiliza de ferramentas para conduzir a tomada de decisão do usuário, muitas vezes exacerbando o desejo pelo status e pelo bem material em si. Mas há uma outra linha de pensamento que promove o design para propiciar o bem-estar e felicidade das pessoas, por meio do uso de produtos, serviços ou experiências. O chamado Design Positivo vai além do mero prazer; também inclui virtude e significado pessoal. O framework do design positivo consiste em 3 pilares:

Design por prazer: a soma de prazeres momentâneos para fortalecer sentimentos positivos. 

Design por virtude: o que é percebido como bom ou ruim e pelo que deve persistir para ter uma vida virtuosa.

Design por significado pessoal: o senso de realização está presente e faz a vida valer a pena.

 

Case Be My Eyes

O aplicativo Be My Eyes, por exemplo, é focado em ajudar pessoas cegas ou que têm pouca visão a realizar tarefas do dia a dia. Para atender a essa necessidade, quase 6 milhões de voluntários ajudam essas pessoas, atendendo a chamadas e descrevendo o que veem, por meio da câmera do celular dos cegos. Com essa ajuda, conseguem fazer escolhas mais conscientes e tarefas simples, mas que são dificultadas pela deficiência visual. E por outro lado, os voluntários, além do prazer momentâneo de ser útil, fazem uma boa ação e sentem que estão contribuindo na vida dessas pessoas.

 

5 minutos - Eu medito

A solução encontrada para gerar um movimento mundial da prática de meditação pelo aplicativo 5 minutos também pode ser considerada um exemplo de design positivo. Além de facilitar o hábito pelo estímulo de meditar durante somente 5 minutos, o aplicativo traz uma explicação de como exercitar o mindfulness. Ao completar esse período de meditação, há um reforço sobre a contribuição que o usuário faz, somando os minutos pela paz no “meditômetro”, um contador mundial de tempo meditado. Ou seja, o apelo ao senso de comunidade pela soma de ações é realizada para o bem coletivo.

Felizmente, cada vez mais estamos conscientes da importância do papel do Design Comportamental para os consumidores. Desenvolver soluções que reforcem hábitos ou experiências positivas e evidenciam a melhor opção para as pessoas é, sem dúvida, uma responsabilidade dos que projetam qualquer produto ou serviço. A escolha é sua.

 

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Sobre as autoras

Márcia Sakamoto é course leader de Behavioural Design da Hyper Island, graduada em Artes Gráficas pela UTFPR, Design Gráfico pela Universidade Positivo, pós graduada em Gestão da Comunicação Organizacional e tem MBA em Liderança e Gestão. Tem mais de 15 anos de experiência em Comunicação Organizacional e é apaixonada por facilitação visual.

 

Layla Oliveira é graduada em Comunicação Social pela PUC-Rio, possui especialização em Marketing pelo COPPEAD-UFRJ e mestrado em Digital Experience Design pela Hyper Island UK. Dedicou boa parte da sua vida profissional ao mercado corporativo, passando por empresas como americanas.com, RJZCyrela e Telefônica. Hoje faz parte da equipe da Hyper Island como Facilitadora, Speaker e Course Leader.

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